A vida em condomínio costuma realçar um aspecto muitas vezes ignorado quando se tem em vista a utilização de bens imóveis. Construiu-se, ao longo do tempo, um dogma de que, ao proprietário, seria atribuído um direito ilimitado sobre os bens de que é titular. Este exercício, obviamente, traz conseqüências que transcendem e rompem a esfera jurídica do proprietário, passando a atingir outros indivíduos. Mas sempre prevaleceu – e, no mais das vezes, prevalece ainda, no senso comum – a idéia de que, ao proprietário, seria deferido um “super direito”, que subjulgaria todo e qualquer interesse alheio.
Esta noção, diga-se desde já, não procede. A idéia de que o uso da propriedade imobiliária se encontra limitada por interesses estranhos ao do proprietário é, como dito, mais visível nas relações existentes em condomínio. E isto porque é nestas circunstâncias que se identifica, com bastante clareza, a forma como o comportamento de um condômino atinge, positiva ou negativamente, outro individuo.
Certo, portanto, que a propriedade não defere ao titular só direitos, mas também deveres, cabe, por ora, a seguinte indagação: qual medida adotar quando um condômino descumpre as obrigações que lhe são impostas tanto pela convenção de condomínio, quanto pelas regras gerais de convivência humana?
Questão presente nas discussões envolvendo a vida em condomínio é a possibilidade ou não de expulsão do condômino descumpridor de suas obrigações.
O parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil prevê a aplicação de multa em até dez vezes o valor da contribuição condominial quando o “condômino ou possuidor, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores”. Mais: prevê – e aí reside o problema – que esta multa deverá ser aplicada “até ulterior deliberação da assembléia”.
Muitos entendem – e foi esse, inclusive, o posicionamento do Congresso Nacional quando da edição do dispositivo, em 2001 – que essa parte final do dispositivo atribuiria àquela multa um caráter meramente preliminar, cautelar e anterior à uma outra sanção mais grave. Esta sanção, no caso, seria a própria expulsão do condômino infrator.
Esta solução já se encontra presente em vários ordenamentos, como o alemão, o suíço e o espanhol. No Brasil, como visto, não vem expressamente prevista em lei, mas é, ainda sim, mencionada por vários estudiosos do direito civil.
Há muita controvérsia a respeito do tema. Seus opositores sustentam que a medida seria desproporcional, que atentaria contra a dignidade da pessoa humana e a garantia constitucional à propriedade. De outra banda, há os que entendem que a medida é salutar, uma vez que representaria instrumento de efetivação da garantia também constitucional da “função social da propriedade”.
A par do debate, foi este último entendimento que prevaleceu na V Jornada de Estudos de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. Naquela oportunidade, pacificou-se, em forma de enunciado, que é possível sim a expulsão do sujeito que, por comportamento reiterado, torna impossível a convivência com os demais condôminos ou possuidores.
A comunidade jurídica, portanto, acena para a validade de uma medida que, se bem utilizada, não só servirá como instrumento de penalização, mas também de coibição e desestimulo a adoção de comportamentos anti-sociais.
*Luis Felipe Dalmedico Silveira é advogado, especialista em Direito Privado pela Fundação Getulio Vargas (FGV)
Emidio Campos
Gestor de Segurança
http://segurancadecondominio.blogspot.com
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