Espaço atrás da cancela é público mas quem não mora ali não pode passar (Foto: Filipe Arruda)
As oliveiras abundam, são das antigas e frondosas, e o povo de Alcântara já lhes chamou suas. Foi ali por 1975, quando a revolução entrou pela enorme tapada da família Melo, entre a rua dos Lusíadas e a Primeiro de Maio, mesmo por baixo do tabuleiro da ponte 25 de Abril. Quem o lembra é o comunista José Godinho, que presidiu à junta de freguesia da histórica zona operária de Lisboa durante 27 anos e que a certa altura percebeu que já lá não podia pôr os pés.
Com uma única entrada (e saída) através da arcada existente sob o número 120 da Rua Luís de Camões, o espaço da antiga tapada, completamente cercado pelos edifícios das ruas limítrofes, foi dividido em 18 lotes e tem agora outros tantos prédios com mais de uma centena de casas.
Lá dentro, com vista apenas do alto da ponte, as dimensões das ruas, das áreas verdes e dos espaços de estacionamento à superfície - que também há muitos subterrâneos - são generosas. O sítio é aprazível e tranquilo. À porta, uma cancela sobe e desce às ordens de um segurança privado que controla os acessos de pessoas e veículos e deixa entrar quem cumpre os critérios definidos pela administração do empreendimento.
"Isto é uma vergonha, as ruas são todas da câmara, mas só quem lá mora é que pode entrar", critica um vizinho que já ouviu quem sabe mais do que ele sobre o caso.
"As fracções foram publicitadas e vendidas como um condomínio fechado e essa é que é a génese do problema", diz Miguel Sá Monteiro, um dos administradores do condomínio que gere a urbanização e que não nega a natureza pública dos espaços interiores. O site da Temple, porém, ainda apresenta o Alcântara Residence como um "condomínio residencial fechado".
Sá Monteiro não hesita: "Fomos enganados." Por isso mesmo, acrescenta, há muitos processos a correr contra os promotores nos tribunais. Quanto ao essencial, garante, "a solução do problema já foi negociada com o vice-presidente da Câmara [arquitecto Manuel Salgado] e está prestes a ser formalizada".
Mas, afinal qual é o problema? A resposta está no alvará de loteamento emitido em 1997 pela Câmara de Lisboa, ao tempo em que João Soares era seu presidente. Entre as condições estabelecidas para autorizar a construção dos edifícios estava a cedência pelo promotor à autarquia, obrigatória por lei, de um total de "12.310 m2, destinados a infra-estruturas, estacionamento e espaços verdes", que foram integrados no domínio público municipal por escritura notarial. Como resulta inequivocamente da lei, tais espaços "não são susceptíveis de qualquer apropriação particular" e a limitação do acesso dos cidadãos em geral aos mesmos é proibida. Acresce que o alvará diz também que foi "garantida a passagem pública a peões e veículos à superfície".
A realidade, no entanto, é a que já se contou. E a câmara, que segundo a administração do condomínio nunca gastou um cêntimo na conservação do espaço, conhece-a há muito. Há relatórios sobre o assunto nos serviços, mas nunca nada foi feito. Agora parece que está a procurar uma solução. "Poderá ser alguma coisa como a colocação de pinos retrácteis idênticos aos do Bairro Alto para entrarem só residentes, mas ainda não sabemos. Os peões poderão entrar à vontade", revela o administrador do condomínio. Nunes da Silva, o vereador do Trânsito, disse ontem ao PÚBLICO que nunca ouviu falar no assunto. Manuel Salgado e Sá Fernandes (responsável pelo espaço público), também contactados, nada disseram.
Emidio Campos
Gestor de Segurança
http://segurancadecondominio.blogspot.com
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