Apesar de chamar a atenção de turistas durante décadas, moradores dos prédios tortos localizados na orla da praia de Santos, no litoral de São Paulo, sofrem com a desvalorização dos imóveis. Após a divulgação do resultado de uma pesquisa realizada pela Secretaria de Infraestrutura e Edificações, o problema em uma das áreas mais valorizadas da cidade pode estar próximo de uma solução com o realinhamento dos edifícios.
Segundo o levantamento, das 651 edificações, 65 precisam de uma análise mais detalhada por possuir uma inclinação entre 0,5m a 1,8m. Esses prédios, que reúnem 2.832 apartamentos, abrigam 16.590 pessoas, cerca de 3% da população da cidade. Ainda de acordo com a prefeitura, 10 desses prédios, que foram construídos entre 1948 e 1990, estão mais de 1 metro inclinados.
A família do professor Fábio Ungaretti vive em um desses apartamentos na orla santista. Segundo ele, os moradores dos prédios inclinados tem problemas com a desvalorização do imóvel. “Os apartamentos de três quartos, de frente para o mar, estão custando R$ 1,2 milhão, R$ 1,3 milhão quando não são tortos. Já os apartamentos com inclinação, na mesma metragem, custam bem menos. Cerca de R$ 500 mil ou menos, dependendo do caso", conta.
Segundo o delegado do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (Creci) na Baixada Santista, Carlos Ferreira, o metro quadrado de um apartamento em um prédio inclinado na orla da praia chega a ser 38% menor do que um convencional de frente para a praia. “O metro quadrado de um prédio torto é de R$ 3,5 mil a R$ 4 mil, dependendo do estado do apartamento. Como base de comparação, os apartamentos recém-construídos valem de R$ 6 mil a R$ 6,5 mil”, explica.
Embora um apartamento em um edifício com problemas de inclinação tenha um valor menor do que os demais, o delegado do Creci afirma que áreas como a do bairro do Boqueirão e Embaré tiveram uma valorização de 18% em comparação ao ano passado.
Cerca de 3% da população santista vive em prédios inclinados da orla (Foto: Reprodução/TV Tribuna)
Santos vive nos últimos anos um boom imobiliário, alimentado principalmente pelas possibilidades geradas pelas descobertas de petróleo na área de pré-sal. Segundo um ranking do Ibope divulgado no ano passado, a cidade possui o maior índice de verticalização do país, com 63%. Ou seja, de cada 10 domicílios da cidade, 6 são apartamentos.
Entretanto, vender um imóvel inclinado ainda é uma tarefa difícil para os atuais moradores. “É difícil as pessoas acreditarem que o prédio não corre perigo. Isso dificulta a comercialização de apartamentos”, conta Ungaretti.
O secretário de Infraestrutura e Edificações de Santos, Nilson da Piedade Barreiro, afirma que o problema não coloca em risco moradores e vizinhos. “A inclinação dos prédios acontece há anos. Uma situação de risco de desabamento expõe sinais como rachaduras, trincas e outras evidências. Não se pode dizer que o nível de inclinação define o risco, que envolve outros aspectos, como solo, geometria e evolução da inclinação. Por isso é necessário uma análise mais aprofundada”, explica.
Segundo o engenheiro Pedro Marcão, professor da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e mestre em Engenharia de Solos pela Universidade de São Paulo (USP), a inclinação nos prédios da orla da praia santista acontece por conta de rebaixamentos agravados pela proximidade dos edifícios. “Isso acontece também porque estudos demonstram que a altura máxima recomendada para os edifícios em Santos seria de 10 pavimentos quando apoiados em sapatas. Mas existem edifícios que atingiram até 19 andares".
Problemas
Viver em um prédio inclinado gera vários problemas aos moradores. Portas e janelas corrediças precisam de travas para permanecer paradas e mesas precisam de calços para ficar niveladas. “A gente compensa parcialmente nivelando o piso do apartamento. Enche de um lado, descasca do outro. A mesa de jantar da minha sala foi feita sob medida para o apartamento. A base no chão já é adaptada para aquele local. Se eu colocar em um apartamento normal, ela fica torta”, conta Ungaretti.
O problema no prédio foi descoberto há mais de 20 anos, segundo ele, e estava piorando. Por isso, os moradores decidiram investir em uma solução de engenharia para, ao menos, estacionar a inclinação. “Para parar esse processo, foi feito um trabalho em que se congela a água na parte mais baixa do prédio. A água expande quando congelada, e isso fez com que o prédio parasse de inclinar. Com isso, fizeram uma sustentação mais forte neste lado inclinado. Há mais de dez anos que esse declive não aumenta, até houve uma leve melhora”, explica.
Ungaretti conta que os moradores possuem uma atualização regular sobre a infraestrutura do edifício. “A cada bimestre temos um estudo completo do que acontece no prédio. Se aparecer uma rachadura a gente fica sabendo”.
Moradores reclamam da desvalorização dos apartamentos tortos da praia (Foto: Reprodução/TV Tribuna)
Em busca de uma solução
Segundo Ungaretti, a inclinação do prédio é assunto frequente nas reuniões de condomínio. “Arrumar o prédio custa muito caro. Pegamos como exemplo o (edifício) Núncio Malzoni. As pessoas gastaram quase o valor do próprio apartamento para endireitar o prédio”, afirma.
Segundo o secretário de Infraestrutura e Edificações, um plano de engenharia para resolver o problema ainda não foi adotado. “As soluções deverão ser apontadas a partir dos laudos específicos. A prefeitura irá prestar assessoria e fará o acompanhamento do processo”, diz Barreiro.
Uma das soluções apontadas pelo engenheiro Marcão seria o macaqueamento do prédio, quando cilindros hidráulicos trazem o imóvel de volta ao nível original. “Esse procedimento pode ser adotado junto com a execução de um reforço nas fundações por estacas. Não existe risco, mas é recomendável que o prédio seja evacuado. A intervenção pode levar em torno de um ano".
Além dos estudos, a prefeitura estuda estímulos econômicos para realinhar os prédios da orla santista. “A intenção é discutir com a Câmara a criação de incentivos fiscais que estimulem os proprietários a realizarem a recuperação dos prédios e, ainda, conseguir com a Caixa Econômica Federal a abertura de linha de financiamento própria para tais obras”, diz o secretário.
Enquanto isso não acontece, os representantes dos condomínios que sofrem com o problema começam a se mobilizar. “Sempre há uma esperança. Ninguém quer seu prédio desvalorizado, com ninguém querendo morar nele. Às vezes as pessoas não investem no próprio apartamento por causa da desvalorização do imóvel”, diz Ungaretti.
Apesar do boom imobiliário e do crescente número de construções na cidade, os recentes lançamentos não sofrem do problema, segundo o secretário de Infraestrutura e Edificações. “Hoje, a metodologia para as obras de fundação não é a mesma que foi usada na construção dos prédios das décadas de 1950 e 1960, em que aconteceu a maioria dos casos. Para que um prédio seja construído, a prefeitura aprova os projetos de acordo com a lei de uso e ocupação do solo, o código de edificações, e analisa as leis municipais, estaduais e federais em vigor. As empresas fazem sondagens que indicam qual a melhor fundação para cada tipo de edificação", explica.
Emidio Campos
Instrutor de Segurança
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