PELAS RUAS DO RIO
Em liberdade condicional, Cacciola costuma frequentar o
Centro Empresarial Barra Shopping. Na segunda-feira 3, o ex-banqueiro fez
compras na Osklen, em Ipanema, loja frequentada por descolados de meia-idade
Logo que deixou o complexo penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, o ex-banqueiro Salvatore Alberto Cacciola, 67 anos, protagonista de um dos maiores escândalos financeiros do Brasil, o caso Marka, comemorou a liberdade condicional com um churrasco em uma casa no luxuoso condomínio Vale Verde do Cuiabá, em Itaipava, região serrana do Rio. A casa, que pertence a sua ex-mulher, é, no entanto, um refúgio eventual para ele. O cotidiano de Cacciola tem sido bem menos suntuoso e bucólico, como constatou a reportagem de ISTOÉ, que acompanhou os passos do ex-banqueiro milionário durante duas semanas. Cacciola mora com a namorada, a advogada gaúcha Mirela Hermes, num apart-hotel localizado na Barra da Tijuca. Costuma sair pouco desse imóvel de dois quartos, registrado em seu nome, e até adquiriu o hábito de cozinhar para passar o tempo. Na sexta-feira 30, Cacciola estava preparando uma refeição quando um oficial de Justiça bateu à porta para certificar que ele realmente residia no endereço que fornecera à Justiça. Segundo vizinhos, o ex-banqueiro procura horários alternativos, quando há menos movimento de moradores, para usufruir da área de lazer do prédio que tem piscina, churrasqueira, jardim, salão de beleza, sala de ginástica, sauna, quadra poliesportiva e salão de jogos. “Moro na mesma coluna e usamos o mesmo elevador, mas mesmo assim sei pouco dele”, disse uma mulher que pediu anonimato. “Já o vi malhando”, contou outra. Quando sai, Cacciola não é mais o frequentador de ambientes esfuziantes como acontecia em outros tempos. Para almoçar, em geral prefere o restaurante Blu, uma casa de carnes localizada num condomínio da Barra. Na segunda-feira 3, ele foi flagrado numa loja de bicicletas – costuma caminhar ou pedalar pelo menos duas vezes por semana – e fazendo compras na loja de roupas Osklen, em Ipanema. Agora discreto, Cacciola evita aglomerações e pontos muito badalados.
A opção pela reclusão é perfeitamente explicável. Antes de ser preso e fugir para a Itália, no início dos anos 2000, Cacciola era uma espécie de amigo do rei. Aqui era sua Pasárgada, o lugar imaginário que “tudo tem” e onde o privilegiado tudo pode, celebrizado nos versos de Manuel Bandeira. Riquíssimo, casado com uma ex-miss Brasil, Cacciola era homem do luxo e do poder. Podia ligar de seu telefone pessoal para autoridades de Brasília fazendo ameaças, como aconteceu no célebre episódio do Marka, quando tentou evitar a bancarrota de seu banco de investimentos numa conversa desaforada em que tratava o economista Chico Lopes, então presidente do Banco Central, como um subalterno. Cacciola circulava livre, leve e solto pelos corredores das altas finanças e conversava dia e noite com pesos-pesados do PIB nacional. Menos de 11 anos depois, o cenário é diametralmente oposto. Hoje, além de ser monitorado por autoridades policiais, dificilmente Cacciola transita pelas ruas do Rio de Janeiro sem ser observado. Seja por jornalistas, seja por curiosos. Ele sabe que, aqui, sempre correrá o risco de ser reconhecido e ofendido nas ruas como um símbolo de cabeludos escândalos financeiros que envergonharam o País. De seus tempos de ex-banqueiro restam poucas regalias, como o motorista particular para dirigir o Hyundai Veracruz. De acordo com as regras do sistema presidiário, Cacciola não pode ficar na rua após as 23 horas e por isso quase nem faz programas noturnos. Também, nesta nova vida brasileira, lhe faltam companhias para as atividades festivas – antigos companheiros, hoje, evitam qualquer proximidade com ele. Por exemplo: na época de fausto, nos anos 1990, Cacciola era um reconhecido amigo da família Medina, no Rio de Janeiro. Agora pouca gente daquela turma gosta de lembrar desse fato: “Meu irmão, Roberto, era vizinho dele, mas não tínhamos muito contato”, afirmou à ISTOÉ o ex-deputado Rubem Medina.
A opção pela reclusão é perfeitamente explicável. Antes de ser preso e fugir para a Itália, no início dos anos 2000, Cacciola era uma espécie de amigo do rei. Aqui era sua Pasárgada, o lugar imaginário que “tudo tem” e onde o privilegiado tudo pode, celebrizado nos versos de Manuel Bandeira. Riquíssimo, casado com uma ex-miss Brasil, Cacciola era homem do luxo e do poder. Podia ligar de seu telefone pessoal para autoridades de Brasília fazendo ameaças, como aconteceu no célebre episódio do Marka, quando tentou evitar a bancarrota de seu banco de investimentos numa conversa desaforada em que tratava o economista Chico Lopes, então presidente do Banco Central, como um subalterno. Cacciola circulava livre, leve e solto pelos corredores das altas finanças e conversava dia e noite com pesos-pesados do PIB nacional. Menos de 11 anos depois, o cenário é diametralmente oposto. Hoje, além de ser monitorado por autoridades policiais, dificilmente Cacciola transita pelas ruas do Rio de Janeiro sem ser observado. Seja por jornalistas, seja por curiosos. Ele sabe que, aqui, sempre correrá o risco de ser reconhecido e ofendido nas ruas como um símbolo de cabeludos escândalos financeiros que envergonharam o País. De seus tempos de ex-banqueiro restam poucas regalias, como o motorista particular para dirigir o Hyundai Veracruz. De acordo com as regras do sistema presidiário, Cacciola não pode ficar na rua após as 23 horas e por isso quase nem faz programas noturnos. Também, nesta nova vida brasileira, lhe faltam companhias para as atividades festivas – antigos companheiros, hoje, evitam qualquer proximidade com ele. Por exemplo: na época de fausto, nos anos 1990, Cacciola era um reconhecido amigo da família Medina, no Rio de Janeiro. Agora pouca gente daquela turma gosta de lembrar desse fato: “Meu irmão, Roberto, era vizinho dele, mas não tínhamos muito contato”, afirmou à ISTOÉ o ex-deputado Rubem Medina.
ESPORTISTA
A loja de bicicletas é um dos points de Cacciola, que pedala duas vezes por semana
Não é por acaso, portanto, que esse italiano naturalizado brasileiro quer voltar a seu país de nascimento. Cacciola pretende conseguir o indulto natalino para retornar à dolce vita italiana que levava antes de ser preso. Condenado a 13 anos de prisão, em 2005, por um rombo de cerca de R$ 1,5 bilhão nos cofres públicos, ele poderá sair do Brasil sem nunca ter ressarcido um centavo ao erário. Foi em Roma que ele se escondeu da polícia durante sete anos até ser capturado pela Interpol, em 2007, durante um passeio em Mônaco. Ao contrário do ex-terrorista italiano Cesare Battisti, que lutou incansavelmente para não ser mandado de volta para a Itália, Cacciola conta os dias para retornar. Em primeira análise, depende de uma canetada da presidente Dilma Rousseff, a quem caberia subscrever o decreto para indultar sentenciados. Na prática, porém, a palavra final é do juiz da Vara de Execuções Penais (VEP), que analisa a situação do presidiário e decide se ele merece ou não o perdão.
Cacciola não tem muito do que reclamar da Justiça brasileira. Apesar de ter cumprido somente quatro anos da pena por peculato e gestão fraudulenta, o ex-banqueiro, que conta com os serviços de sete advogados, ganhou a liberdade condicional no fim de agosto graças a uma sucessão de benefícios legais. No ano passado, pediu e conseguiu redução da pena através do indulto natalino. Este ano, vai tentar se beneficiar de novo, desta vez com o perdão total. “Em função da redução da pena é que ele conseguiu o livramento condicional, pois não tinha ainda cumprido o tempo em prisão necessário para isso” reclama o promotor de Justiça do Rio Fabiano Rangel. Antes de sair do presídio de Bangu, no Rio, o ex-banqueiro foi entrevistado pela psicóloga Creuza Barros da Silva durante o exame criminológico. Ao ser questionado sobre suas perspectivas futuras, respondeu, segundo as palavras da psicóloga no processo a que ISTOÉ teve acesso, “que pretende cumprir as exigências para a condicional, que vai manter-se com a renda da companheira e com a ajuda do irmão e empresário – Renato Cacciola, dono da fábrica e rede de lojas de móveis Lacca - até o final de 2011” . Também deixou claro que, “caso ganhe o indulto, voltará para a Itália”. Isto não é difícil de acontecer. “Um defensor, advogado ou o próprio apenado pode requerer ao juiz a concessão do benefício e somente após ouvir o Conselho Penitenciário e o Ministério Público é que o juiz decide”, explica a presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio, Maíra Costa Fernandes. Cacciola, segundo ela, se enquadra no critério definido pelo artigo 1º do decreto de 2010, que no inciso 3º prevê a concessão do perdão às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade superior a oito anos e que tenham completado 60 anos de idade e cumprido um terço da pena.
Cacciola não tem muito do que reclamar da Justiça brasileira. Apesar de ter cumprido somente quatro anos da pena por peculato e gestão fraudulenta, o ex-banqueiro, que conta com os serviços de sete advogados, ganhou a liberdade condicional no fim de agosto graças a uma sucessão de benefícios legais. No ano passado, pediu e conseguiu redução da pena através do indulto natalino. Este ano, vai tentar se beneficiar de novo, desta vez com o perdão total. “Em função da redução da pena é que ele conseguiu o livramento condicional, pois não tinha ainda cumprido o tempo em prisão necessário para isso” reclama o promotor de Justiça do Rio Fabiano Rangel. Antes de sair do presídio de Bangu, no Rio, o ex-banqueiro foi entrevistado pela psicóloga Creuza Barros da Silva durante o exame criminológico. Ao ser questionado sobre suas perspectivas futuras, respondeu, segundo as palavras da psicóloga no processo a que ISTOÉ teve acesso, “que pretende cumprir as exigências para a condicional, que vai manter-se com a renda da companheira e com a ajuda do irmão e empresário – Renato Cacciola, dono da fábrica e rede de lojas de móveis Lacca - até o final de 2011” . Também deixou claro que, “caso ganhe o indulto, voltará para a Itália”. Isto não é difícil de acontecer. “Um defensor, advogado ou o próprio apenado pode requerer ao juiz a concessão do benefício e somente após ouvir o Conselho Penitenciário e o Ministério Público é que o juiz decide”, explica a presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio, Maíra Costa Fernandes. Cacciola, segundo ela, se enquadra no critério definido pelo artigo 1º do decreto de 2010, que no inciso 3º prevê a concessão do perdão às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade superior a oito anos e que tenham completado 60 anos de idade e cumprido um terço da pena.
Apart-hotel de dois quartos, localizado na Barra, é o novo abrigo
do ex-banqueiro. Cacciola mora no imóvel com a namorada
O eventual perdão na esfera criminal, no entanto, não se estende aos processos que Cacciola enfrenta na esfera civil. Seu patrimônio identificado foi bloqueado (leia quadro) pelo Senado, que tenta reverter os bens para a União. A participação dele em outras 14 empresas no Brasil e Exterior, bem como um imóvel de três andares em Roma, na Itália, está na categoria “em verificação”. Se depender do Ministério Público do Rio, em vez de voltar para a Itália, onde é proprietário de um próspero negócio, o Hotel Fourtyseven, um dos melhores de Roma, o ex-banqueiro retorna para a cadeia. De acordo com o promotor de Justiça Fabiano Rangel, há duas ações contestando a redução da pena antes do término do processo. “Ainda acreditamos na possibilidade da reformulação. Nesse caso, o livramento condicional acaba caindo”, diz ele.
A debacle de Cacciola começou em 1999, quando ele percebeu que seu banco ia falir em função de apostas equivocadas no mercado de câmbio. Arrogante, ele foi a Brasília exigir socorro do Banco Central exibindo um trunfo a tiracolo: o consultor Luís Augusto Bragança, amigo de infância e compadre do então presidente do BC, Francisco Lopes. Bragança, que também é irmão de um dos sócios da consultoria Macrométrica, fundada por Lopes, teve êxito completo em seus contatos. Conseguiu que o BC, como uma mãe generosa, usasse uma gigantesca quantia de recursos públicos para salvar o Marka. Foi permitido que Cacciola remetesse US$ 13 milhões para contas no Exterior sob o pretexto de liquidar passivos do banco (que mais tarde foram avaliados em apenas US$ 180 mil). Em função do encerramento de atividades do Marka, o ex-banqueiro ainda obteve a devolução de R$ 2 milhões que compunham sua conta “reserva bancária”. A divulgação dessas vantagens procovou um escândalo que terminou com a queda de Chico Lopes do BC.
Os ex-clientes, vítimas das falcatruas do Marka, não aceitam que Cacciola saia do País sem pagar suas contas. Eles estão indignados, segundo o médico Luiz Eduardo Fernandes, que representa a associação de investidores prejudicados no caso: “Perdi minhas economias de dez anos”, relembra Fernandes. “Junto com o fundo do banco foi-se até o dinheiro da faculdade do meu filho.” Para Fernandes e outros ex-investidores, quem realmente merece um presente de Natal são as vítimas e não o algoz.
A debacle de Cacciola começou em 1999, quando ele percebeu que seu banco ia falir em função de apostas equivocadas no mercado de câmbio. Arrogante, ele foi a Brasília exigir socorro do Banco Central exibindo um trunfo a tiracolo: o consultor Luís Augusto Bragança, amigo de infância e compadre do então presidente do BC, Francisco Lopes. Bragança, que também é irmão de um dos sócios da consultoria Macrométrica, fundada por Lopes, teve êxito completo em seus contatos. Conseguiu que o BC, como uma mãe generosa, usasse uma gigantesca quantia de recursos públicos para salvar o Marka. Foi permitido que Cacciola remetesse US$ 13 milhões para contas no Exterior sob o pretexto de liquidar passivos do banco (que mais tarde foram avaliados em apenas US$ 180 mil). Em função do encerramento de atividades do Marka, o ex-banqueiro ainda obteve a devolução de R$ 2 milhões que compunham sua conta “reserva bancária”. A divulgação dessas vantagens procovou um escândalo que terminou com a queda de Chico Lopes do BC.
Os ex-clientes, vítimas das falcatruas do Marka, não aceitam que Cacciola saia do País sem pagar suas contas. Eles estão indignados, segundo o médico Luiz Eduardo Fernandes, que representa a associação de investidores prejudicados no caso: “Perdi minhas economias de dez anos”, relembra Fernandes. “Junto com o fundo do banco foi-se até o dinheiro da faculdade do meu filho.” Para Fernandes e outros ex-investidores, quem realmente merece um presente de Natal são as vítimas e não o algoz.
Emidio Campos
Gestor de Segurança
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