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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Em condomínio crianças levam vida ‘de adulto’

Crianças 1 (Foto: Carolina Iskandarian/ G1)
Victoria é síndica mirim no condomínio de 284 apartamentos e leva as reivindicações das crianças ao síndico de verdade


Falta idade e tamanho para tanta responsabilidade. Aos 12 anos, Victoria Soares Ramos tem que dividir seu tempo entre a escola, as aulas de dança, canto, judô, e o “cargo” de síndica mirim do prédio onde mora. Sobre os pequenos ombros, a tarefa de conciliar os interesses das crianças com os dos adultos no condomínio de três torres e 284 apartamentos na Zona Sul de São Paulo. Assim como Victoria, muitas crianças assumem atividades típicas de gente grande, criam agendas, compromissos, podendo, assim, diminuir o tempo do lazer.

Quem vê Victoria falando às vezes até esquece que ela tem pouco mais de uma década de vida. “Meu papel no prédio é levar ao síndico tudo o que as crianças querem. Agora queremos melhorar a brinquedoteca, colocar uma estante com livros para os adultos e brinquedos para nós, que somos maiores. Só tem brinquedo de bebê ali. Isso está sendo orçado”, diz Victoria, que volta a ser menina quando fala da alegria em ir ao show do Justin Bieber. O cantor tocou em São Paulo nos dias 8 e 9 e ela já estava com o ingresso em mãos.
Crianças  (Foto: Carolina Iskandarian/ G1)Victoria e suas amigas conseguiram melhorias no
parquinho (Foto: Carolina Iskandarian/G1)
Neste 12 de outubro, Dia das Crianças, a síndica mirim fará uma pausa em seus compromissos e passará o dia com os coleguinhas na casa de um amigo. Com a ajuda de duas “assistentes”, Victoria conta que convenceu o condomínio a colocar três bebedouros nos espaços de lazer. Os moradores mirins também ganharam balanço e gira-gira no parquinho porque brigaram por isso. “Mudou muita coisa aqui”, afirma a menina, que diz não precisar fazer reuniões de condomínio. “Quando a gente se encontra (no playground), faz a rodinha e vê tudo o que falta. Aí eu vou até a casa do síndico e falo com ele.”
A mãe da síndica mirim se derrama em elogios à filha, mas sabe que precisa de cautela. “A Victoria é muito destemida, despachada, gosta de liderar. Se a gente não cuidar, ela se excede”, revela a autônoma Bianca Soares Ramos, de 37 anos. “Às vezes, acho demais (ter tantas atividades). Ela dá conta, mas tenho medo de que ela não tenha os momentos de lazer”, completa. Por outro lado, Bianca vê aspectos positivos em deixar com Victoria tanta responsabilidade. “Ela começa a administrar suas coisas, como arrumar o quarto.”
Criança tem que brincar 
Coordenador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar, vinculado ao Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o médico Mauro Muszkat vê com ressalvas o fato de crianças terem agenda de adulto. “O lazer sem compromisso é muito importante para a criança. Algumas não têm maturidade para lidar com compromissos, agenda. O cérebro aprende a lidar com isso, mas gera um estresse.”
Segundo ele, “desde que as tarefas envolvam motivação e não haja exagero”, são bem-vindas. “É um aprendizado, desenvolve o senso de responsabilidade.” A pequena Ana Clara Coelho dos Santos, de 7 anos, tem uma rotina um tanto movimentada. Concilia a escola com o balé, a natação e o que mais gosta: as aulas de passarela. Em julho, foi coroada Mini Miss Brasil 2011.
Ana Clara mostra o título (Foto: Divulgação/ Arquivo pessoal)Ana Clara mostra o título de Mini Miss
(Foto: Divulgação/ Arquivo pessoal)
“Eu gosto de fazer isso tudo, não me importo. Dá tempo de brincar quando chego da escola e no fim de semana”, conta Ana Clara, que começa a ficar ansiosa na véspera de algum concurso de beleza – ela desfila desde os 4 anos de idade para grifes infantis. Aí, os compromissos são como de qualquer candidata a miss adulta.
“Perto dos concursos, muda totalmente a rotina. Tem os ensaios em casa, prova de vestido. E são três trajes (geralmente), não tem jeito. Tem que ir”, diz a mãe, a empresária Luciana Coelho dos Santos, de 33 anos.
De acordo com ela, como a filha sempre venceu as competições de beleza, precisou dedicar tempo para a imprensa. “Às vezes, tem que faltar à escola por causa de alguma reportagem”, conta Luciana, que não reclama. “Ela quer ser modelo e atriz. Prefiro que se entretenha com essas atividades a virar uma adolescente que vai passar o tempo na rua depois. Hoje, é difícil achar bons amigos.”
Situações de estresse
O especialista critica o fato de Ana Clara dedicar parte de seu tempo a estar sempre bonita e pronta para um concurso de beleza ou desfile. “A beleza não é intrínseca à infância. É um valor introduzido pelos adultos.” O médico, que trabalha com neurodesenvolvimento infantil, recomenda que, até os 10 anos, as crianças não tenham mais do que três atividades em sua rotina para não cair em situações de estresse, como ansiedade e insônia.
Crianças  (Foto: Carolina Iskandarian/ G1)Jackelyne e Ana Beatriz participam de competições
de ginástica artística (Foto: Carolina Iskandarian/
G1)
Apesar das críticas, Muszkat defende a coerência. “Tudo é uma questão de intensidade, bom senso. É melhor que a criança faça atividades a ficar em frente à televisão o dia inteiro.” Definitivamente, as ginastas Ana Beatriz Martins Valença, de 9 anos, e Jackelyne Soares Gomes da Silva, de 10, não têm tempo sobrando para se esparramar no sofá e ver TV.
Sabem desde cedo o que é disciplina, rotina puxada e tomada de decisões. Mesmo novas, participam de competições de ginástica artística pelo Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo. Precisam dividir o dia entre a escola, os treinos, o lazer e o sono.
Jackelyne treina das 14h às 20h todo dia. Entre 7h e 11h30, vai à escola. No rápido intervalo, almoça em casa, em Itaquera, Zona Leste, e corre para o ginásio do clube, localizado nos Jardins. “Não é muito tempo. Eu gosto, dou conta”, afirma a atleta sobre as horas dedicadas ao esporte. “Depois, eu chego em casa, tomo banho, faço a lição e vou dormir às 22h.”
Quem vê de longe pode achar que é muita atividade para uma criança que mal tem tempo de brincar, mas Jackelyne diz que consegue se divertir no fim de semana fazendo o que mais gosta: “pular corda”. Às vezes, o esporte fala mais alto e ela, com a maturidade dos seus 10 anos, jura que não tem crise. “Ano passado teve o aniversário da minha irmã e eu não pude ir porque tinha que viajar para uma competição. Comprei um presente, falei que não ia e ela disse tudo bem”, conta.
Com Ana Beatriz aconteceu a mesma coisa. A festa com os amigos ficou para outra vez. “Eu pensei: ‘preciso treinar. Posso ir à festa outro dia; o treino é mais importante”. A atleta, que participa de competições desde o ano passado, diz que encara de maneira “normal” a dura rotina. “Não acho nem muito difícil nem muito fácil.” Ela afirma ter disciplina e coragem para dar conta de tudo. Quando, certa vez, teve medo de fazer um exercício, pediu ajuda aos técnicos. “Fiquei tentando até conseguir.”
Olho no futuro
Raimundo Blanco, supervisor técnico da ginástica artística do Pinheiros, não vê problemas em jogar muita responsabilidade em cima dos ombros da crianças, mas defende um equilíbrio. “Até os 12 anos, não acho positivo puxar (um atleta) de forma excessiva. É preciso separar o que é resultado e o que é compromisso.” Para ele, quanto mais cedo os pequenos começarem no esporte, melhor.
“Em vez de brincar no parquinho, vai brincar no ginásio. É uma brincadeira séria, mas tem diversão”, diz Blanco, que também treina a campeã Daiane dos Santos. “Esse esporte (ginástica artística) te obriga a pensar. Você tem diferentes situações a cada dia, como se vai ter coragem de saltar, de fazer algum movimento. Isso faz a criança pensar por que está fazendo aquilo. Ajuda também na escola, na vida.”
Com 30 anos de experiência no ramo, Blanco afirma que “determinação, vontade e coragem” são qualidades de uma criança que pode vir a ser um atleta ou outro tipo de profissional bem-sucedido no futuro. “Isso vem de dentro do coraçãozinho deles. Vencem qualquer coisa desde pequenos.”
Crianças  (Foto: Carolina Iskandarian/ G1)



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