
Uma interessante decisão foi proferida na Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo.
Prolatada pela juíza Dra. Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques, a sentença coloca em pauta um tema muito interessante e atual: é possível a usucapião de unidade autônoma de edifício não submetido a regime condominal previsto na Lei 4.591, de 1964?
A juíza entende que não.
Apreciando um caso concreto, na via administrativa de suscitação de dúvida (art. 198 da Lei 6.015/73), foi indeferido o acesso de mandado judicial de usucapião de unidade autônoma integrante de condomínio não inscrito.
A juíza denegou o registro pelas seguintes razões:
O condomínio inexiste como realidade jurídico-registral, remanescendo o imóvel íntegro como na origem - um terreno só, único e indivisível. É imprescindível a instituição e especificação do condomínio e a averbação da construção.
Devem integrar no pólo ativo, em litisconsórcio necessário, todos aqueles que diretamente possuam interesse nas unidades alienadas pela primitiva titular de domínio.
Devem ser fixadas as áreas privativas e comuns, e delimitadas as unidades privativas e comuns do edifício, atendidos os preceitos fiscais, tributários, administrativos e registrários que se referem à matéria.
Não é possível o registro de fração ideal na matrícula-mãe, por malferir o princípio da unitariedade da matrícula.
A matéria é interessante e atual, já que milhares de pequenas unidades autônomas, integrantes de empreendimentos não regularizados, alienadas há anos, vêm sendo objeto de ações de usucapião.
Confira abaixo a decisão.
Usucapião - unidade autônoma. Condomínio edilício. Especificação. Instituição. Fração ideal - princípio de unitariedade.
EMENTA NÃO OFICIAL. 1) - Não sendo o edifício submetido a regime condominal, não se admite o acesso de título, extraído de ação de usucapião, que tem por objeto unidade autônoma. Imprescindível a promoção da especificação do condomínio e averbação da construção como medida antecedente ao pedido de usucapião.2) - A abertura da matrícula, em decorrência da usucapião, só é possível com a descrição do imóvel como um todo. Inviável abertura de matrícula para fração ideal.
Processo nº 583.00.2009.163901-5 CP. 265 - Dúvida 2º Oficial de Registro de Imóveis X 2ª Vara de Registros Públicos da Capital
Vistos.
Cuida-se de procedimento de DÚVIDA suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital contra o Juízo da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, noticiando a recusa do registro da sentença declaratória de usucapião por aquele juízo proferida, sob o argumento de que o título judicial tem por objeto uma unidade (apartamento A) que inexiste na realidade registrária, uma vez que não há instituição Condominial do Condomínio Traipu averbada junto ao registro do imóvel, impossibilitando o registro do título nos moldes pretendidos.
A representante do Ministério Público opinou pelo acolhimento da dúvida (fls. 196/198).
DECIDO.
A dúvida procede integralmente.
De acordo com a manifestação do Oficial Registrador, depreende-se que o título judicial tem por objeto uma unidade autônoma que se declarou por usucapião em favor de Maria Apparecida, unidade essa que não se encontra descrita e individualizada em Especificação condominial, eis que o Condomínio Traipu não foi objeto de Especificação de Condomínio perante a Serventia Imobiliária.
O título judicial, em conseqüência, desponta como constituído em desconformidade com os princípios e regras que norteiam os registros públicos, impossibilitando o seu acesso ao fólio real.
Há duas significativas razões para tal impedimento.
Em primeiro lugar, inexiste a realidade condominial (divisão do imóvel em unidades condominiais) sob o ponto de vista registrário, já que perante a Serventia Imobiliária remanesce o imóvel como um terreno só, único e indivisível.
Deste modo, não seria possível conceder à parte autora a declaração de domínio sobre o apartamento e a garagem, tal como pretendido, porquanto tais unidades não existem perante o registro tabular. Neste sentido, seria imprescindível a promoção da especificação do condomínio e averbação da construção como medida antecedente ao pedido de usucapião, quer pela via judicial, quer pela via administrativa. Para este efeito, devem integrar no pólo ativo todos aqueles que diretamente possuam interesse nas unidades alienadas pela primitiva titular de domínio, em litisconsórcio necessário, momento em que serão fixadas as áreas privativas, comuns e delimitadas as unidades privativas e comuns do edifício, atendidos os preceitos fiscais, tributários, administrativos e registrários que se referem à matéria.
Caio Mário da Silva Pereira ensina que “Concluída a obra e concedido o “habite-se” pela autoridade administrativa, o incorporador tem ainda a obrigação de requerer a averbação da construção, para efeito da individualização e discriminação das unidades. Esta averbação se faz no Registro de Imóveis, e, ainda, junto às autoridades municipais ou estaduais (conforme o caso), porque, com a conclusão da obra, cada unidade, para efeitos tributários, é tratada com autonomia” (”Condomínio e Incorporações”, p. 229, Forense, 1965). Se na situação em exame, o incorporador faltou com tal obrigação, tal deve ser discutido na esfera cível, inclusive com a imposição de obrigação de fazer.
O registro da incorporação, que antecede a edificação do prédio e serve antes de tudo a viabilizar o início da negociação das unidades autônomas a serem erigidas, em nada se relaciona com o nascimento jurídico dessas unidades do condomínio, ainda não instituído. Ele não pode prestar-se a suprir o registro posterior da instituição e especificação condominial. Simultaneamente ao ato de averbação da construção, deve ser feito o registro da instituição e especificação do condomínio, a fim de que, a partir desse instante, as unidades autônomas passem a existir legalmente. Há sim contemporaneidade necessária entre o ato de registro da instituição condominial e o ato de averbação da construção do edifício. Se este último tem o efeito jurídico da individualização e discriminação das unidades autônomas, insta, à evidência, que essas mesmas unidades, naquele instante, existam jurídica e registrariamente, o que só se dá com o registro da instituição e especificação do condomínio, que na hipótese em exame, NÃO OCORREU.
Também não seria possível “interpretar” o título e conceder ao autor, já que inexistente a Especificação de Condomínio, a declaração de domínio sobre fração ideal, já que decisão nesse sentido acabaria por ofender ao princípio da unitariedade previsto no art. 227 da Lei 6.015/73.
A abertura da matrícula, em decorrência da usucapião, só seria possível com a descrição do imóvel como um todo. Inviável - como tantas vezes firmado na jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura - é a abertura de matrícula para fração ideal. A tanto se opõe o basilar princípio da unitariedade - uma das pedras-de-toque do sistema registrário introduzido pela Lei 6.015/73, segundo o qual “a todo imóvel, enquanto unidade geodésica, deve corresponder uma matrícula” (art. 227 da Lei 6.015/73). Neste sentido, NARCISO ORLANDI NETO, Registro de Imóveis, Saraiva, ed. de 1982, p. 216, ementa 219.
Deste modo, por quaisquer dos enfoques que se à questão, correto o posicionamento do Oficial Registrador, pois o título judicial não se compatibiliza com o regime dos registros públicos.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE A DÚVIDA.
Cumpra-se o disposto no artigo 203 da Lei de Registros Públicos.
P.R.I.C.
São Paulo, 28 de julho de 2009.
Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques.
Juíza de Direito.
(D.J.E. de 31.08.2009)
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