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terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rotina dos políciais do Bope em livro



Relatos impressionantes do cotidiano dos policiais estão em "Elite da Tropa". O breve capítulo "Emergência" pode ser lido abaixo.

"Elite da Tropa" relata a rotina dos políciais do Bope; livro inspirou filme
Baseado em relatos de ex-policiais do Bope, o livro acompanha o dia-a-dia de um grupo pequeno e fechado de policiais que formam a "tropa de elite", homens adestrados para agir como cães selvagens e atuar com força máxima e devastadora no front da guerra urbana.

O livro, da editora Objetiva, está à venda na Livraria da Folha.

Leia abaixo o capítulo "Emergência" de "Elite da Tropa".

EMERGÊNCIA

Nem todo mundo que chega ferido à linha de montagem do hospital da PM sai para receber honrarias fúnebres. Alguns se salvam. Às vezes, salva-se até mesmo quem se acha muito vivo. Ainda que a esperteza lhe custe caro. Foi o que aconteceu com o tenente Ricardo, um rapaz que gostava de valorizar o próprio passe. Antes do relato, algumas notas técnicas. Elas teriam sido muito úteis ao tenente.

Os médicos que se especializaram no atendimento às vítimas de armas de fogo, no Rio de Janeiro, tornaram-se referências internacionais - como aconteceu com o Bope, modéstia à parte. Eles têm contado com a colaboração da polícia e dos bandidos, cuja produtividade mórbida tem-se aperfeiçoado ao longo dos anos. Não tem faltado osso estilhaçado, músculo destroçado, órgão rompido, membro mutilado em escala industrial. Da plástica à ortopedia, os médicos brasileiros estão entre os melhores do mundo. Quando se trata de emergência de guerra, especializada em lesões por arma de fogo, como já disse, não tem pra ninguém. No início, nossos especialistas visitavam cirurgiões americanos que atuaram no Vietnã. Agora, são os gringos que nos procuram.

Uma lição que aprendemos com eles salvou várias vidas: quando o projétil é de grosso calibre, melhor sacrificar tecidos e órgãos, até o limite do possível, do que tentar preservá-los. A experiência demonstrou que a preservação acaba sendo contraproducente. Em resumo: se o tiro é de fuzil, abre-se a vítima de cima a baixo e só não se remove o que for vital. Por isso, abriram o sargento Romero de alto a baixo, quando levou um tiro de fuzil lateral na bunda, que entrou numa nádega e saiu pela outra. Aparentemente, eram só dois furos, um de entrada, outro de saída, com uma trajetória reta intramuscular. Nada que o tempo não cicatrizasse. Tanto que o primeiro atendimento, aos cuidados de um profissional não especializado, não envolveu nenhuma sutura. Só dois curativos e um antiinflamatório. Mal sentou na viatura que o levaria para casa, Romero esvaiu-se em sangue. A hemorragia era drenada pelo ânus. Entrou em choque e quase morreu. Foi reconduzido às pressas à sala de emergência. Sofreu, enfim, a cirurgia que lhe extraiu não sei quantos metros de intestino e lhe salvou a vida.

Pena que o tenente Ricardo não soubesse disso quando chegou à sala de emergência, posando de durão. Ele levara um tiro amigo de uma pistola, na viatura. Não foi o único, alias. Muita gente teve a mesma sorte - ou melhor, o mesmo azar. Alguns não sobreviveram. Ricardo vinha sentado na frente, e o colega, desatento, sentado no banco de trás, não tomou as medidas de segurança necessárias. A arma sem protetor, inadvertidamente, disparou, atingindo o ombro do tenente, por trás. Para driblar a corregedoria e impressionar as enfermeiras, Ricardo entrou avisando: "Não foi nada. Uma bobagem. Um bando de traficantes me armou uma cilada, mas dei um jeito neles. Foi só um tiro de fuzil no ombro." Antes que contasse a própria vantagem, deram-lhe um sossega-leão na veia, entubaram-no e chamaram os cirurgiões especialistas, que o abriram do umbigo ao pescoço, adotando o procedimento padrão. O tenente sobreviveu, mas aprendeu que nem sempre vale a pena bancar o machão, exagerando o calibre do heroísmo.

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