Um filme brasileiro com grandes influências da indústria cinematográfica hollywoodiana. Se de um lado, Roberto Carminati consegue garantir a qualidade técnica de Segurança Nacional - com boa fotografia, sonoplastia e montagem -, do outro, peca em abusar de uma pseudo-patriotismo. Imagens sucessivas da bandeira brasileira e até mesmo a inclusão do hino nacional na trilha sonora quebram o suposto clima de ação do longa metragem. O roteiro é concentrado na atuação do agente secreto Marcos (Thiago Lacerda) contra as ameaças terroristas de traficantes internacionais, comandados pelo personagem vivido pelo ator mexicano Joaquin Cosio. As negociações entre os vilões e o governo brasileiro envolvem a explosão de bombas atômicas, o sequestro de personalidades públicas e a paralisação do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), que monitora o tráfego aéreo e impede a entrada ilegal de aviões na região. A tentativa de fazer um filme de ação, com cenas de perseguição, correria, tiros e explosões, não convence muito o espectador. As tradicionais fórmulas, já esgotadas pelos grandes estúdios americanos, se repetem. O heroísmo característico de James Bond (007) e John Mcclane (Duro de Matar) ganha, inclusive, uma versão empobrecida com a interpretação Thiago Lacerda. Segurança Nacional Direção: Roberto Carminati Gênero: aventura Tempo: 97 minutos Produção: G.I. Films e Diogo Boni Filmes | ||
Na análise de Pedro Fassoni Arruda, professor do Departamento de Política da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o enredo fictício construído por Carminati se mescla com contextos históricos que ainda fazem parte da realidade política brasileira. De um lado, a suposta ameaça de um ataque terrorista encabeçado por traficantes estrangeiros. Do outro, repercussões sobre a Lei do Abate (nº 9614, de 5 de março de 1998) e o projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia).
O risco de um ataque terrorista no Brasil é descartado por Arruda. "As relações diplomáticas do País com aquelas nações que, hoje, comandam os atos terroristas, são bastante amistosas", destaca Arruda. Relações que, segundo ele, se intensificaram com o posicionamento do Brasil contrário à decisão dos Estados Unidos de invadir o Iraque. "Com todo esse cenário, a iminência de uma guerra contra o governo brasileiro, independente de sua natureza, não passa de uma história de ação para a ficção", acrescenta o professor.
Na versão de Carminati, a ameaça da explosão de uma bomba atômica em território brasileira é justificada pela insatisfação de traficantes com a instalação, em 2004, do Sivam. O sistema monitora o espaço aéreo da Amazônia e impede a entrada de aviões ilegais, além de controlar ações de contrabando. Mas até mesmo a versão histórica do filme é tendenciosa. É o que aponta o cientista político. "O filme assume uma posição favorável à política implementada pelo governo", diz Arruda. O único personagem que se coloca contra o investimento público no Sivam, por exemplo, é nomeado como corrupto e parceiro do tráfico internacional.
O argumento do suposto traidor está relacionado à ineficiência do sistema para o controle do tráfico no Brasil. Apesar da implantação do Sivam, que custou US$ 3 bilhões, ter controlado 70% dos voos clandestinos, na visão do personagem, o gasto não impede a entrada de drogas em território nacional. Arruda também partilha dessa opinião, ainda que não seja contrário à criação do sistema. "Se o tráfico não é feito por ar, é feito por terra ou mar. Nem por isso, o governo deve se anular de suas responsabilidades de impedir todas essas entradas", destaca ele.
Para o cientista político, o problema do Sivam está relacionado à tecnologia adotada para o controle aéreo. No processo de licitação, quem ganhou a concorrência foi uma empresa estadunidense. "Isso demonstra a fragilidade da segurança nacional do País, vulnerável ao poder dos Estados Unidos", critica o professor. Ele acredita que o Brasil tem competência para gerar uma tecnologia própria. "Além de garantir a independência no sistema, os recursos investidos gerariam riquezas para o próprio País", diz Arruda.
Paralelamente à polêmica do Sivam, Segurança Nacional aborda a Lei do Abate, que prevê a destruição de aeronaves consideradas hostis sob a autorização do Presidente da República ou por uma autoridade delegada por ele. Regulamentação, que segundo Arruda, não é um consenso. Enquanto alguns consideram a ação de abate uma proteção ao território nacional, outros a consideram um desrespeito aos direitos humanos e à própria Constituição Federal. "Além de ferir o direito a vida, já que os ataques podem levar a morte dos tripulantes do avião ilegal, a regra passa por cima do direito a ampla defesa", explica o professor da PUC-SP.
A Segurança Nacional proposta pelo diretor Carminati foi focada nas ações da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), da Força Aérea e do Exército. Mas Arruda acredita que nem mesmo todas essas unidades de segurança sejam capazes de proteger as fronteiras brasileiras. "O Brasil tem dimensões continentais, com milhares de quilômetros de costas e uma ampla fronteira terrestres, o que dificulta o controle da entrada e saída do País", afirma ele.
Na opinião de Arruda, no Brasil a guerra pela segurança nacional não está relacionada ao terrorismo, mas, sim, à violência urbana impulsionada, em partes, pelo tráfego de armas e drogas. Incidência que também se reflete nas questões de desigualdade social. Muito mais do que programas restritivos, o professor aposta na eficiência de ações políticas mais inteligentes construídas a partir da inclusão e da conscientização.
Como entretenimento, Arruda recomenda o filme para todos os universitários, professores, pesquisadores e profissionais. Mas para que ele possa, de fato, contribuir para o aprendizado dos expectadores, o cientista político sugere uma ampla pesquisa - seja na Internet ou em livros - sobre os assuntos tratados em "Segurança Nacional". "Só assim, será possível formar uma opinião consistente tanto sobre a Lei do Abate com sobre o Sivam", enfatiza ele.
Emidio Campos
Gestor de Segurança
http://segurancadecondominio.blogspot.com
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